Por Gabriel Reis Carvalho
Nos últimos dias, uma notícia divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de sua presidência, correu o mundo jurídico. A partir de agora, atendendo a uma solicitação da OAB, a Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, terá que passar a admitir a participação de advogados na plataforma Consumidor.gov.br, serviço público ofertado pela Secretaria para solução de conflitos de consumo pela internet.
A mudança é que, doravante, além de poder usar a plataforma em nome próprio, o advogado também poderá ser chamado pelo consumidor e poderá valer-se do Consumidor.gov.br na busca da melhor solução jurídica para os problemas do consumidor. Para tanto, basta que o consumidor entregue procuração ao advogado, que a inserirá no site.
A presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB Nacional, Marié Miranda, explica que a novidade é uma conquista do cidadão. Ela defende que, com a medida, o consumidor que desejar se valer de ajuda especializada “tem garantido o direito de acompanhamento de seu processo por parte de um profissional da advocacia”.
Contudo, não foi fácil se chegar até essa notícia. No ano passado, a OAB e a Secretaria do Consumidor, que tem como chefe maior o Ministro Sérgio Moro, andaram se estranhando mais de uma vez. Em outubro de 2019, a Ordem emitiu um duro documento dirigido à Senacon. Na Nota Técnica da OAB, a entidade que representa a advocacia apontou “desvirtuamentos em sua finalidade básica”, referindo-se ao Consumidor.gov, além de “falhas que precisam ser sanadas”. A OAB ainda declarou que a postura da Secretaria Nacional do Consumidor era “incompatível com o sistema de proteção e defesa do consumidor” e que estaria sendo violado “o direito de acesso à Justiça do consumidor lesado, constitucionalmente assegurado”.
A Nota irritou o Secretário do órgão, subordinado a Moro. Para realizar as mudanças necessárias por parte da Senacon suscitadas pela Ordem dos Advogados do Brasil quanto à plataforma de resolução de conflitos de consumo, o chefe da Secretaria exigiu uma retratação da OAB. Não a teve.
A OAB afirmou que em numerosas ocasiões manifestou publicamente o seu apoio ao Consumidor.gov.br, plataforma que classificou como “um ágil e importante mecanismo de diálogo e negociação entre consumidores e fornecedores”, como também um elemento relevante diante da atual exigência de “instrumentos alternativos e adequados para a solução de conflitos e a prevenção de litígios”.
No último dia 31 de janeiro, quando a Senacon se comprometeu a operar as alterações que permitam o apoio dos advogados aos consumidores no Consumidor.gov, o representante da Secretaria ouviu do vice-presidente nacional da OAB, Luiz Viana, que a novidade “trata-se de uma importante vitória para advocacia consumerista”. Na mesma data, Senacon e OAB informaram que farão campanhas para esclarecer a população sobre o uso do serviço.
Análise
Na prática, a Senacon só passou a reconhecer o que veladamente já ocorria há tempos. Entre advogados que atuam a favor dos consumidores, não é raro encontrar quem já tenha se passado pelo próprio consumidor ao utilizar o Consumidor.gov.br antes de ajuizar uma ação em uma vara cível ou em um juizado especial. Essa conduta era considerada violação dos termos de uso pela Senacon. Agora passa a ser valorizada.
Outro aspecto diz respeito ao desgaste provocado pela Secretaria ao rejeitar sistematicamente as contribuições que a advocacia buscava oferecer há anos ao serviço on line. Essa ausência de abertura aos advogados perpassou todo o caminhar evolutivo da plataforma, desde o seu lançamento, em 2014.
Da posição de quem estava na equipe da Senacon desde os primeiros passos de reflexão e criação do Consumidor.gov, participou do seu lançamento e crescimento, e ao final passou a ser do Comitê Gestor da plataforma, só posso confirmar que não fazia sentido tanto fechamento.
O Consumidor.gov.br é e continuará a ser uma das iniciativas mais geniais e relevantes do Poder Público em matéria de consumo e de Justiça. O time por detrás do serviço também merece todas as honras.
De outro lado, padece a Senacon de um mal que acomete frequentemente os bons inventores, o medo de ver transformada sua invenção. Geralmente, para quem cria, a mudança é desvirtuamento. Mas pode também ser virtude, como é o caso.
O efeito colateral mais grave da ausência de entendimento entre Senacon e advocacia nos últimos anos foi a apatia da classe quanto ao Consumidor.gov. Em diversos cantos do país e do universo jurídico, o que se notou nesses anos foi até mesmo a rejeição expressa de parte dos advogados e outros operadores mais ligados ao Poder Judiciário. Nesse cenário, ao que vejo, todos saem perdendo. Especialmente o consumidor.
Em um país com mais de 1 milhão e duzentos mil advogados, soa estranho um órgão que atua com a lei, como é a Senacon, não ter se esforçado mais para se ajustar com a categoria. E anote-se que praticamente todos os responsáveis pela Secretaria foram advogados.
Agora, ao que se vê, abrem-se novos caminhos. Acolher a advocacia e trazê-la para mais perto do Consumidor.gov.br trará um resultado: uma das categorias mais fortes e proeminentes na sociedade passando a oferecer apoio a um serviço do Governo. Não é um fato que se vê todo dia.
Ademais, deve crescer, e muito, a divulgação e a conscientização quanto ao serviço. Soma-se a esse contexto o fato de que recentemente o Governo Federal, por meio de Decreto, determinou que o Consumidor.gov.br seja a plataforma oficial da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional para a autocomposição nas controvérsias em relações de consumo.
No fim do dia, o que vale mesmo quanto ao Consumidor.gov.br é: quanto mais, melhor. Bem-vinda ao “Gov”, advocacia.